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terça-feira, 4 de junho de 2013

Continuação de "O que você quer"...

As duas entraram no quarto de Xena caladas. Ao cerrarem a porta, Gabrielle soltou um grande bocado de ar que havia preso em seus pulmões.
- Deuses! Quanto tempo levará até que ela queira acabar comigo?!!
- Não diga isso. Ela pode ser voluntariosa e impulsiva, mas nunca lhe faltou racionalidade. Você não lhe fez mal nenhum, apenas está se acostumando com a ideia de ter uma escrava por perto e tenta te interpretar. Vamos aos afazeres, pois se ela terminar o dejejum e o quarto não estiver arrumado e seu banho pronto, aí sim terá que temer uma represália.
Xena terminou o dejejum antes que o de costume e entrou no quarto para averiguar como as coisas estavam se saindo com Gabrielle. Como sempre, nunca fazia o menor barulhou ao caminhar. Percebeu que Calina e Gabrielle já haviam arrumado o quarto e estavam por conta de seu banho. Aproximou-se da porta da sala de banho para escutar a conversa animada que Calina e Gabrielle desenrolavam com desenvoltura. Não queria ser vista. Tinha uma curiosidade imensa sobre essa menina que parecia apertar seu estômago com as próprias mãos quando a olhava. Aproximou-se mais do batente da porta.
- Como saberei que ela gostou do que fiz se não fala?
- Ela não fará elogios, Gabrielle. Se não reclamar, você fez o correto.
- Não procuro elogios, Calina. Acostumei a ser ignorada, só tenho medo de cometer um engano que poderá me levar à morte. Drátios e os seus guardas, batiam, xingavam e quando estavam satisfeitos com o serviço, ignoravam. Escravos não recebem elogios. Mas conseguia me manter afastada o suficiente para não morrer. Agora trabalho diretamente para ela. E se fizer alguma estupidez sem me dar conta?
- Não disse que tinha um amo que confiava em você a ponto de te dar a oportunidade de aprender a arte da cura e ajudá-lo em seu hospital?
- Ele era um bom homem, como te disse. Importava-se com as pessoas de seu reino, e viu em mim algo que normalmente os amos não querem ver em seus escravos. Sabia que eu sabia ler, e percebeu que ajudar os doentes me agradava. Falava que só pessoas com um dom poderiam fazer o que ele fazia e dizia que eu tinha o dom. Mas depois que fui vendida, isso não importou mais. Temo não conseguir agradá-la, ela me olhou...humm, não sei, como se estivesse entrando em minha alma. Na verdade quase morri de tanto prender a respiração.
- Bom Gabrielle. Para começar, vamos acabar de preparar o banho da Conquistadora, pois se ela chegar e não tiver pronto, você realmente vai precisar se preocupar.
Xena escutava tudo atentamente. Achou graça dos pensamentos da menina. Achou interessante o fato de saber lidar com questões da arte da cura, mais se incomodou terrivelmente com o fato dela ter tanto medo em relação a si. – “O que é isso Xena, você está ficando mole? Qual é o problema de uma escrava sentir medo de você? Não é isso que sempre procurou em todos a sua volta?”
Quando Xena percebeu que haviam acabado, se afastou e foi se sentar em uma poltrona que ficava no balcão que dava para o jardim. Abriu um pergaminho fingindo concentração no que lia.
- Já terminaram ou fofocavam como duas velhotas vendedoras de peixe do mercado?
 Pegas desprevenidas, Calina se dirigiu a Xena dizendo que explicava a Gabrielle como devia aprontar seu banho.
- Muito bem. Gabrielle venha aqui.
Gabrielle se aproximou de cabeça baixa.
- Calina irá mostrar hoje as dependências do castelo em que você poderá circular. Levará você para comprar algumas roupas para poder se apresentar dignamente em minha presença. Compre algumas calças para montaria também, Calina.
- Sim, Senhora conquistadora. - Respondeu Calina.
- Por enquanto, não quero que vá a parte do salão principal, nem nos quartos principais do castelo, muito menos nos alojamentos dos soldados. Ainda quero que fique restrita ao castelo. Não quero que saia para a parte externa sem que Calina te acompanhe. Entendeu?
- Sim, senhora conquistadora. – Foi a vez de Gabrielle responder.
- Quero que espere Calina em seu quarto. E não se distraia pelo caminho, ouviu?
- Sim, senhora conquistadora. – Novamente Gabrielle respondeu.
- Agora vá. Calina quero que fique. Tenho que falar com você. E não falem, sim senhora conquistadora novamente senão arrancarei as suas línguas. – Xena soltou com um bufo, mas se divertia por dentro.
Gabrielle saiu o mais rápido que pode. Quando Gabrielle fechou a porta do vestíbulo, Xena levantou e se virou para Calina.
- Muito bem, solte tudo a respeito dessa menina. Passou sete dias com ela e já a deve ter como confidente.
Calina verdadeiramente não entendia qual o interesse de Xena nessa escrava, mas não questionou. Contou tudo que havia escutado de Gabrielle e Xena se ateve a cada detalhe.
- Ok! Calina. Se ocupe dela durante os próximos quatro dias. Não quero contato dela com os nobres, soldados ou qualquer um que possa achar de se aproveitar da situação dela como escrava. Ela é minha escrava, deixe isso bem claro para qualquer um que queira se engraçar. Estarei fora e se alguém perguntar diga que não sabe e que deixei ordens expressas que se houver algum problema se reportarem a Tarsílio. Ele saberá lidar com esses canalhas que cercam esse castelo. Se ouvir ou vir algo diferente, fale com seu marido. Ele colocará os melhores soldados aqui dentro nesse tempo que estarei fora.
- Sairá sozinha?
- Não, mas não pergunte mais nada. Ficará mais segura assim.
- Sim senhora.
- E Calina.- Xena se deteve momentaneamente. - Leve essa menina a sala de medicamentos do antigo curador. Mostre-lhe também o herbário. Já deve estar cheio de ervas daninhas, mas se é boa nisso deverá saber como cuidar. Aja como se estivesse simplesmente apresentando as dependências do castelo e observe o seu interesse. Se perguntar algo do antigo curador responda com sinceridade, mas não lhe diga que fui eu quem mandou mostrar-lhe tudo e nem nada a respeito dessa conversa. Quero que aja com naturalidade, entendeu? Se essa menina se interessa tanto por esse assunto, uma hora se mostrará.
- Sim, Xena – Agora Calina ria por dentro. Começou a perceber que Xena estava se derretendo sobre olhar de Gabrielle. Isso a divertiu e começou a entender algumas reações da conquistadora. A muito que não via Xena interessada por algo verdadeiramente. É bem verdade que nunca a viu interessada por alguém. Mas já havia visto esse olhar. Quando ela queria algo, tinha que conquistá-lo. Enquanto não o fizesse não sossegava.
Xena não se pronunciou sobre o seu atrevimento de chamá-la pelo nome. Sabia que Calina a chamava assim quando percebia algo nela que às vezes nem ela mesmo tinha notado. Não tinha tempo agora. Tomaria nota para inquiri-la mais tarde.
Após Calina ter saído, Xena se aprontou. Colocou uma calça de couro preto, um corpete e uma armadura bem ajustada ao tronco. Colocou uma bainha de espada que prendia ao tronco e atravessava por trás das costas, prendeu seu chakran a cintura e embainhou sua espada. Fechou a porta do quarto por dentro, foi até a tapeçaria que se estendia por toda parede contrária a sua cama, afastou-a e empurrou um bloco de pedra encaixado perfeitamente a parede. Se não soubesse exatamente onde ficava possivelmente quase não o perceberia. Um pequeno vão se abriu dando passagem a uma escada estreita e mal iluminada.  Começou a descer, mas antes se virou nos primeiros degraus e empurrou novamente um bloco na parede fazendo a passagem fechar atrás de si. Nos últimos degraus já se percebia um salão com um pequeno estábulo e uma égua, muito bem cuidada que relinchou ao perceber a presença de Xena.
- Como vai minha menina?
Esta égua, já era a terceira geração de Argo. Uma égua jovem com menos de 3 anos. Quando nasceu, logo a levou para seu estábulo particular e tomou para si seus cuidados. Não queria que ninguém pusesse as mãos nela para que tivesse Xena como sua única dona, assim como fora com Argo. Homenageara a velha amiga colocando o seu nome nesta bela criatura. Agora veria como Argo II se comportaria tendo que levar Xena o mais rápido possível para Megara. Tinha que pegar Sileno antes que este retornasse a Corinto.
 De seu estábulo particular havia uma saída direta para fora de Corinto. Saída esta que só Xena conhecia.  Pegou Argo II pelas rédeas e foi caminhando até se afastar bem da cidade. Mentira para Calina. Iria só. Mas não seria prudente que outras pessoas soubessem disso. Quando já ia longe, montou em Argo II e saiu em disparada em direção a Megara através de um atalho que conhecia. Os anos de cavalgadas em batalhas pela Grécia fazia com que Xena conhecesse aquele território melhor do que a si mesma.
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- Bem Gabrielle, agora só falta um lugar para levá-la. Vamos descer por aqui. Chegaram a uma porta que ligava a construção principal do castelo a um anexo dentro de um grande jardim entre muros.  O anexo ficava isolado, uma construção pequena e que parecia abandonada. Calina tirou uma chave de ferro do bolso de seu avental e girou na fechadura. Fez um pouco de força, pois a fechadura estava enferrujada. A porta rangeu e Calina fez mais força para empurrá-la. Gabrielle já estava encantada com o jardim apesar de estar um pouco maltratado. Quando entrou no espaço, olhou ao redor e seu maxilar caiu deixando uma aparência cômica ao seu semblante. “Xena tinha razão”. Pensou Calina. “Não demorará muito a conquistadora arrebatar mais esse prêmio.”
- Calina, por que esse espaço não está sendo utilizado? Deuses, isso é um sonho!!!!
Gabrielle olhava admirando cada detalhe do local. Tinha uma enorme estante em um canto com vários pergaminhos que provavelmente trazia formulações de unguentos, remédios curativos a base de pós de ervas, antídotos entre outras substâncias. Calina só a observava e reparou que Gabrielle estava atenta a todas as nuances do ambiente e permaneceu afastada olhando-a como Xena pedira.
Gabrielle se aproximou de uma grande mesa onde havia vários tipos de frascos, alguns funis, alguns maceradores e outros vidros com soquetes para misturas. Havia também uma estante onde eram depositados muitos frascos contendo líquidos e alguns pergaminhos enrolados que continham alguns pós em seu interior. Estava maravilhada e Calina podia ver isso em seus olhos.
- Calina, se isso aqui for limpo e arrumado poderá ser de grande valia para a cidade. Por que está abandonado?
- O antigo curador, conspirou contra Xena. Ela dava total liberdade para ele, mas ele achou que ela não era digna de governar nem Corinto nem as terras que fazem parte do reino. Procurou apoio de alguns nobres do norte e deixou que eles enviassem assassinos para mata-la. Permitiu que entrassem no castelo com segurança e os orientou como eles poderiam entrar no quarto de Xena à noite. Porém, ela parece nunca dormir de verdade. Entraram em seu quarto, mas só saíram mortos. No entanto, antes de matar o último, extraiu dele todas as informações da conspiração. Prendeu o curador e foi atrás de cada nobre que o havia auxiliado. Matou a todos em seus próprios castelos e não me peça para dar os detalhes de suas mortes. Tomou suas terras, que fazem parte hoje do seu reino e quando retornou, empalou o curador em praça pública. De lá para cá, não mais tem uma única pessoa para curar suas feridas de batalha. Sempre chama alguém diferente dentre o povo que tem conhecimentos na arte da cura para lhe assistir. Como todos lembram o fim de seu curador todos se esforçam ao máximo para curar-lhes suas feridas.
Gabrielle escutava a tudo estarrecida. Seus pensamentos davam voltas e ao final disse.
- Por que ela permitiu que me trouxesse aqui?
- O que a faz pensar que ela tenha dito algo a respeito.
- Calina, sou escrava, mas não sou burra. Você não me levou a todas as partes do castelo porque ela havia proibido e me trás aqui! Certamente ela deu permissão.
- Ahh! Menina, isso eu não sei te responder. Terá que esperar que ela mesma te diga e isso se ela o quiser. Vamos Gabrielle tem mais uma parte aqui escondida que talvez você goste também. – Calina proferia as palavras se voltando de costas para Gabrielle e pensava que já desconfiava porque Xena estava tão interessada nessa menina. Ela era muito inteligente e definitivamente era uma coisa que chamava a atenção de Xena.
Calina foi caminhando até uma porta no fundo da sala com Gabrielle em seu encalço. Destravou com dificuldade o ferrolho com a ajuda de Gabrielle. Abriu a porta e se descortinou um pequeno espaço de jardim coberto com uma tela, onde o sol atravessava suas rendas para iluminar e acalentar as plantas que ali repousavam. Era um herbário protegido por muros e as paredes do pequeno anexo. Era lindo e os cheiros se misturavam em mil aromas diferentes. Gabrielle extasiava ao ver e sentir tão lúdico e maravilhoso lugar.
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Um dia havia se passado quando Xena chegou a Megara. Levou Argo II para um estábulo público. Já estava anoitecendo e Xena se encaminhou para o porto da cidade. Lá se encolheu nas sombras observando as pessoas que iam e vinham. De repente olhou para o lado sul do porto e percebeu um navio alto de três mastros atracado no fim do cais. Esgueirou-se até chegar perto. Viu que o navio tinha filas duplas de remadores. Sim, definitivamente era um navio persa. Decidiu que ficaria por ali aquela noite para vigiar o movimento do navio. Algumas marcas mais tarde, observou alguns homens saindo do navio em direção a cidade. Seguiu-os cautelosamente até uma a taberna próxima ao estabulo. Entrou na taberna pela parte de trás e ficou observando os persas por trás de uma cortina. Viu Sileno se aproximando. Cumprimentou o mais alto de todos e se sentaram em uma mesa afastada do resto do grupo. Para sorte de Xena, sentaram-se próximo a ela e podia ouvir claramente o que comentavam. Percebeu também que havia um soldado de seu exército mais afastado, no entanto não estava preocupado que o vissem. “Bastardo. Como fácil são comprados hoje em dia. Se arrependeria de ter deserdado”.
Xena escutou tudo atentamente. Quando Sileno se retirou, confirmou as suas suspeitas. O soldado saiu como um guarda costas para Sileno. Retornariam para Corinto na parte da manhã bem cedo. Precisaria voltar e estar em Corinto antes que chegassem. Não permitiria mais uma insurreição, mas também não agiria apressadamente. Desta vez queria pegar a todos. Foi aos estábulos, pegou Argo II e partiu de volta a Corinto.
Já era tarde da noite e Xena teve que parar para dar descanso a Argo II. Mas não queria se demorar muito. Sabia que Silêno não se deteria muito tempo no caminho e provavelmente chegaria em um dia.


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